Saí para um café
"Da mesa do café, víamos pela vidraça, os canteiros de terra negra e as rosas de maio. Vinha o cheiro úmido da terra molhada, mais que o das pálidas rosas da minha infância."
A Mesa do Café - Antônio Maria
Sabe uma experiência gostosa? Sentir pela primeira vez o cheiro do café colhido maduro e torrado do jeito certo: não queimado. Às vezes parece como um bolo muito doce, outras como algo que dança no palco das especiarias. Ontem mesmo, abri um pacote de grãos novo e fui arrebatado por um aroma de canela surpreendente; não somente da canela em si, mas o de um doce com canela. Tipo isso!
Larguei a caneta há três anos e parti para um universo tão distante, mas próximo de mim, que nasci brasileiro neste país de tantas sofrências. Fui conhecer mais sobre o tal do café. Beber um cafezinho é um ritual que me acompanha como um inseparável amigo; é a ferramenta que tenho quando nenhuma ferramenta funciona.
O que seria do escritor, do artista, do catalisador de sonhos e do pescador de imaginação se não fosse seu pincel, seu lápis, sua câmera, seu teclado mecânico barulhento, sua mente cheia de nuvens flutuantes e psicodélicas? Este mesmo artista que se encontra sentado em frente ao computador, imaginando seus próximos passos em meses sem fim, com a xícara daquela bebida deliciosa ao lado, mas sem qualquer consequência. Ele observa a tela em branco e a mente esquecida, que um dia borbulhara faminta, e sente falta de como a fome um dia esteve tão próxima de saciar.
O artista que romantiza sua saída para beber um café ali do lado, vendo o casal de namorados dando carinho e observando a moça à esquerda mandando ver num pratão enorme no almoço e questionando com seus botões se ela conseguirá comer tudo aquilo até o fim. Primeira vez pós-pandemia que sentou em uma cafeteria e aproveitou daquela bebida. Um outro mundo. Com o peso da perda. Um artista que observou por dois anos as quatro paredes do seu escritório mofado, agora na possibilidade de ver o lá fora mais uma vez, de provar um café feito por outro alguém. Um ex-apaixonado com o coração quebrado tentando viver.
Haja terapia! Mas eventualmente todo artista sente falta das suas ideias mirabolantes e do poder de criar. É o que o move, tipo algo do sangue que vai bombeando até o coração. E se o coração está vazio, nada resta na alma. O doce do café some e fica cada vez mais amargo; deixa de ser um latte caramelo e vira um ristretto.
Permaneço encantado pelo cheirinho que sai do pacote de café novo, recém torrado, aqui no empório que construí quando deixei a caneta de lado. Há uma semelhança à nanquim fresquinha no papel, à possibilidade de uma nova arte saindo do forno - de sentir o sabor das possibilidades.
Largar a caneta foi a pior e melhor decisão que tomei: senti falta dela e na falta pude me renovar. Busco, ainda, um encontro com esse novo eu, que decidiu visitar faz pouquinho. Da minha janela já o vejo acenando lá no horizonte, vindo serelepe pela estrada íngreme, pronto para uma nova xícara e várias histórias para contar.
Nunca é tarde para voltar
Em 2020 escrevi A Última Carta, porque estava cansado. Mas não estava somente exausto de tudo, como estava em uma situação fragilizada mentalmente. Isso continuou em 2021 inteiro e até nos meses recentes de 2022, quando finalmente comecei a tomar antidepressivo e trabalhar com mais intensidade nas minhas questões em terapia.
Impressionante o tempo que levamos para notar como estamos mal e como isso vai destruindo todos os nossos projetos, relacionamentos e prioridades. Agora, com a cabeça um pouco mais no lugar, e vislumbrando uma melhora nos meses que virão, tenho mais confiança para resgatar o que abandonei por medo & angústia.
Estou renovando minha arte, criando novas referências e ficando mais próximo de mim.
Então deixo meu agradecimento
Mesmo estando distante, muitas pessoas permaneceram e outras chegaram. Compreendo quem quiser sair ou quem nem lembra do motivo por ter se inscrito. Agradeço quem quiser continuar nessa aventura.
Meu outro agradecimento vai para a Aline Valek e seu curso sobre técnicas criativas de escrita. Foi fundamental para o meu retorno.
Me despeço neste dia desejando uma boa segunda-feira e uma ótima semana. Estarei de volta na próxima segunda às 7h.
Como me apoiar:
Estou montando minha própria loja online na qual venderei prints de ilustrações e fotografias. Ainda preciso fazer alguns testes antes de lançá-la oficialmente, mas você pode adquirir minhas obras em galerias parceiras: