Recordo-me das lembranças deixadas pelo café solúvel: nos tempos de escola, adolescente, começando a vida, bebendo um café rápido e fácil na casa dos amigos, próximo à madrugada, em um frio cruel ao redor do calor do forno à lenha. Interessante como pouco se tinha de preocupação com a cafeína, com as noites mal dormidas, com a agitação e ansiedade causadas por um café de procedência tão duvidosa. Tomava-se porque era o que estava disponível. Tomava-se, também, porque pouco se falava sobre café bom.
Memórias afetivas, afinal, são isso: causam em nós uma lembrança do que nunca poderá ser repetido; fica, portanto, na mente uma nostalgia aflitiva, uma vontade de sentir tudo de novo. É a angústia de querer viajar no tempo para reviver os momentos que, devo confessar, são melhores no abstracionismo da memória. Quem sabe uma fuga do presente para uma esperança do que já não é — como desejar um futuro que só pode ser vivido em fantasias ou em sonhos profundos.
O paladar, assim como a memória, faz parte da essência humana. Somos guiados todos os dias por sabores e lembranças: comida da avó, cheiro de cigarro com perfume, o café recém feito saindo pela janela num final de tarde, a acidez do vinagre na língua etc.
Abdiquei do orgulho e comprei café solúvel como um teste: o que poderia ele trazer de novidade? Quais reminiscências de um eu passado viriam à tona?
Logo fui levado à percepção de que nada senti. Quem provava o café era o eu de 31 anos, que pouco tem a ver com aquele adolescente. Uma pessoa com experiências novas, sentado à mesa da cozinha, aprecia um café que lhe é uma novidade, a criação de uma impossibilidade: a de dar o braço a torcer e aceitar que é possível gostar de algo-não-tão-bom sem a constante necessidade de diminuir aquilo.
Foi desta forma que criei uma nova memória: ao lado da namorada compartilho um café solúvel com leite; rápido, fácil de se fazer, sem muita ladainha. Sentados comendo um pão com geleia, levando à boca os goles daquele líquido tão-simples, trocamos conversas e silêncios.
E compreendi, afinal, que a lembrança pode ser refeita e pode ser melhor. Percebi que há ocasião para o café caro de qualidade e há ocasião para o café barato de origem incerta. Tem tudo a ver com quem está ao nosso lado naquele momento.
É instantâneo.
Crie novas memórias para o seu café da manhã.