Estimado Tempo,
lembro-me dos tempos de guri quando protestava aos cantos sobre como ansiava pela adultez. Quero logo crescer, expressava indignado sentado à mesa do café na cozinha da Dona Nelda com o gatinho aos meus pés. Habitava em mim um claro desejo de ser um homem-feito. O que tens a dizer sobre isso, querido Tempo?
Num piscar de olhos, tal como um trem desgovernado, você passou e aqui estou adulto. Muitas vezes sufocado pelo capitalismo, outras pela vontade de criar e ser artista – constantemente acorrentado pelo próprio julgamento de quem precisa fazer dinheiro com os passatempos. Uma injusta batalha da mente de quem deseja pôr arte no mundo contra a necessidade de pagar as contas.
Mesmo sob tal perspectiva cá estou mês a mês, semana depois de semana, dia após dia, vinte e quatro horas entediantes, sempre-eternas sendo influenciado por ti. Hoje sou um adulto e pego-me planejando a fantasia de ser idoso.
Imagino minha arte aos sessenta anos, imagino meu conhecimento crescendo em velocidade. Tenho apenas trinta e um e já me impressiono com o que consigo fazer; modéstia de lado. Escrevo melhor do que antes, crio como nunca, tenho reflexões complexas sobre o existir. Adoro essa brincadeira de ficar cada vez mais sábio.
Tenho ainda tantos objetivos para atingir: quero esculpir, pintar mais quadros físicos, ser fluente em algum outro idioma, viajar para Buenos Aires, conhecer o Ceará, morar no Centro de Florianópolis, ir aos cinemas, beber em cafés, escrever neles, trabalhar por aí, inspirar-me em pessoas que dão vida à crônica, publicar um livro, fazer mais arte, compartilhar um carinho ao lado da qual escolhi dedicar meu amor.
O desejo pela sua rápida passagem, Tempo, é um conceito abstrato. Nada mudará se continuar desejando: você manterá seu ritmo. Dependendo de como minha vida se dará a sensação será veloz ou lenta. É como uma palestra boa versus uma palestra ruim: a passagem do tempo dependerá de a capacidade da palestrante entregar um entretenimento agradável.
Há quem diga que o tédio veio para ficar e que as nossas mentes não conseguem mais focar nos conteúdos que exigem tempo. Tenho uma experiência contrária: sinto cada instante do tempo passando - leio, desenho, observo o café pingando lentamente pelo coador. Julgue meus dias como entediantes, já para mim - que dois anos atrás estava incapaz de ficar preso com meus próprios pensamentos – considero-os eufóricos.
Por isso, querido Tempo, não sei o que eu quero. Desejo todas as coisas citadas, no entanto espero que cheguem a mim no ritmo de seu próprio compasso. É fácil acostumar-se com a rotina e almejar sempre mais, e mais, e mais. O agora nunca é suficiente. Vira uma insaciável busca pela vontade seguinte e deixa-se de lado a apreciação do que está.
Nada mais tenho a dizer.
Com carinho,
Autorretrato (2023)
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Jonathan, que sincronicidade bela da vida! Ontem à noite, subi um texto exatamente sobre o tempo na minha news. A vida corrida e outros e-mails que chegaram, me deixaram esquecer a sua crônica láaaa embaixo no fundo da caixa da entrada. Nem tinha lido o título, agora que, com tempo, resolvi olhar para o que está, prestei a atenção no título e ele me fez abrir a sua leitura.
„Por isso, querido Tempo, não sei o que eu quero. Desejo todas as coisas citadas, no entanto espero que cheguem a mim no ritmo de seu próprio compasso.“ - é isso: viva o tempo das coisas 🤍
Engraçado que estava falando justamente sobre isso com um amigo hoje. Nunca quis ser adulto e também falei isso para minha mãe quando era criança. Sabe-se lá o motivo, acho que intuitivamente já sabia que ia dar ruim rs. Mas o tempo é essa coisa impossível de segurar, muda tudo de lugar e fascina os filósofos desde a antiguidade. Eis que fiquei adulto. Se fosse para voltar no tempo, queria ser criança, mas sabendo tudo o que sei agora com quase 40 rs. Já que não é possível voltar no tempo, nem parar a marcha dos anos, decidi receber de bom grado a sua passagem.