Faltam-me as pitangas. Pelo vidro embaçado de outono devaneio em pensamentos sobre o pé de. Aonde foram parar seus frutos que tanto adocicaram o meu paladar na primavera última? Pequenos pontos vermelhos reluzentes em seus galhos magricelos. Teria eu deixado de notá-los em sua época frutífera?
Pela janela vejo um tímido milharal. Plantado em um canteiro que mais lembra um cemitério. O milharal sem milho, grande e crescente com suas folhas pontiagudas a balançar no ritmo do vento. São quatro ao meu olhar, mas podem ser mais. Sou limitado pela visão do enquadramento da janela.
Uma menina chora num apartamento perto daqui. Ela fala em espanhol, mas seu choro é um idioma único - escutado por qualquer um. Não compreendido por todos. Sua mãe replica aos gritos, o que a faz chorar ainda mais. Percebe-se a falta de comunicação entre pessoas que falam o mesmo idioma. Comunicam-se, todavia não se entendem. E é assim que a banda toca. Uma conversa inconsequente.
Tudo que descrevo nesta crônica ouço e vejo pelo buraco retangular de minha janela.
Por ela, atento ao casal conversando sobre uma mudança urgente que precisa tomar forma na sala de casa. Talvez esteja aplicando um conceito milenar de decoração, no qual a escolha dos objetos precisa significar algo importante a fim de manter a paz interior. Talvez seja somente uma simples alteração de layout.
— Na real, dava pra botar a mesa ali ao lado do sofá — argumenta o rapaz.
E a efemeridade que a janela proporciona deixa-me pendurado em um precipício, incapaz de descobrir o desfecho da história. Dia a dia assisto aos episódios da rua pelo recorte da minha janela. Os enquadramentos sempre os mesmos; as cenas nunca iguais. O diretor sou eu, de modo que escolho o momento a sintonizar na programação para conferir as novidades que lá se desdobram. Nunca posso desligar a “tela”, exceto à noite quando durmo, contudo o som permanece.
Nos finais de semana as festas da vizinhança invadem a minha paz através da janela. Nada posso fazer sobre isso. Aceito como uma dádiva de ser e existir. Minha janela como um portal para vidas que desconheço, mas que estão lá: vivendo. A janela, porém, não é somente uma via pela qual vejo o mundo, é um meio de comunicação entre mim e quem me espera no portão.
Olho através dela para descobrir se minha encomenda chegou. O gatinho mia e brinco com ele num diálogo cômico. Os rapazes duros na bebida vão brigando entre si. O senhorzinho que cata latinhas pedindo um copo d’água. O caminhão do lixo todas segundas, quartas e sextas. E eu ali só a observar.
De todos os mistérios contados por uma boa história continuo a questionar enquanto desembrulho as frases para esta crônica: onde foram parar as pitangas que tanto ruborizaram meu pátio na primavera passada?
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